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Ecomuseu Comunitário Kalunga

PROPOSTA DE PROJETO (Versão 1, fevereiro 2023)

 

Os Kalunga

Kalunga é o nome atribuído a descendentes de africanos escravizados fugidos e libertos das minas de ouro do Brasil central que formaram comunidades autossuficientes e que viveram mais de duzentos anos isolados em regiões remotas próximas à Chapada dos Veadeiros, no Estado de Goiás, no Brasil.

O nome Kalunga significa "tudo de bom" nas línguas bantas. Significa também "necrópoles" em Kicongo. Dentro do espiritismo, pode significar "grande mar", e o nome de uma falange. Nas religiões afro-brasileiras também significa "cemitério", e "calunga grande" significa "beira do mar".


O Território Kalunga

O território Kalunga é o maior sítio histórico e cultural do País em extensão. São mais de 252 mil hectares de Cerrado protegido, abrigando cerca de 8 mil pessoas em um território que se estende pelos municípios de Cavalcante, Monte Alegre e Teresina de Goiás.

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Comunidades Kalunga

São 39 comunidades Kalunga distribuídas nos municípios de Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre de Goiás. A mais populosa comunidade está situada no município de Cavalcante, com aproximadamente duas mil pessoas, nas localidades Vão do Moleque e Prata, e ainda as comunidades do Engenho II  e Vão de Almas, formam a maior porção do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga.

Durante todo este período, houve miscigenação com indígenas, posseiros e fazendeiros . Houve, também, forte influência cultural de padres católicos, dando lugar a uma cultura hibridizada, característica que se manifesta na alimentação e no forte sincretismo religioso da mistura do catolicismo e de ritos africanos.


kalunga danca Ion DavidCultura

kalunga paraty divino bandeirolaAs manifestações culturais Kalunga são representadas pelas rezas, folias e festas, que foram transmitidas de geração por geração, por meio da oralidade que se mantém ainda hoje nas comunidades. Essas festas são de devoção aos santos e representam a fé e a cura dos enfermos em cada localidade.

No Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros, os Kalunga apresentam ao público a riqueza de suas tradições, sendo os responsáveis pela abertura da cerimônia, com o tradicional hasteamento do mastro do Divino Espírito Santo, apresentação da Sussa e a encenação do Império Kalunga.


Economia

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Prioritariamente o sistema produtivo tem como base a agricultura de subsistência.

Os Kalunga estão há 300 anos criando gado, produzindo arroz, feijão, milho, mandioca, farinha, fazendo uso dos produtos extrativistas, artesanato, produção cultural, turismo de base comunitária e a venda de produtos feitos a partir de matérias primas produzidas pela comunidade.


A bovinocultura de leite, a criação de galinhas e porcos para consumo próprio ou troca na comunidade é uma prática comum. 

 

Museus

kalunga african icons vector mascaraSegundo as definições do Estatuto de Museus (Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009), configuram-se como museus:

“as instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural “.

Esses locais devem ser abertos ao público e estar a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento. 

A lei ainda ressalta que se enquadram como museus:

as instituições e os processos museológicos voltados para o trabalho com o patrimônio cultural e o território visando ao desenvolvimento cultural e socioeconômico e à participação das comunidades”.

kalunga african icons vector dancarinae pontua alguns princípios fundamentais desses locais: 

  • a promoção da cidadania

  • o cumprimento da função social;

  • a valorização da dignidade humana;

  • a valorização e preservação do patrimônio cultural e ambiental;

  • a universalidade do acesso, o respeito e a valorização à diversidade cultural;

  • o intercâmbio institucional.


Tipos de Museus

Vale salientar, ainda, que são diversos os tipos de museus existentes - sendo esses definidos conforme suas coleções.

kalunga museum decorative flat color icons set 2 webPode-se citar, por exemplo:

  • os museus de antropologia (arqueologia, etnologia e etnografia)

  • os museus de arte e de história;

  • os museus de ciência e tecnologia;

  • os ecomuseus;

  • as cidades museus.

Dentre as categorias de museus também existem os chamados “museus interdisciplinares”, que são aqueles que possuem diferentes tipos de coleções.

Vale destacar, porém, que, independentemente da categoria de museu em questão, um aspecto é crucial para a sobrevivência desse tipo de ambiente: a gestão eficiente do local.


Ecomuseu

Ecomuseu é um conceito de museus colocado em prática na França na década de 1970.

O termo "ecomuseu" surgiu durante um almoço num restaurante em Paris, em 1971. Neste encontro, estavam Hugues de Varine, Georges Henri Rivière, Serge Antoine e Robert Poujade, que fez o primeiro anúncio público do termo "ecomuseu".

Um "ecomuseu" é o modelo contemporâneo de museu, seguindo os atuais paradigmas científico-filosóficos em oposição ao modelo tradicionalista cartesiano. 

No Ecomuseu, membros de uma comunidade tornam-se atores do processo de formulação, execução e de sua manutenção, sendo ou podendo ser assessorados por um museólogo.

kalunga tabela criteriosO prefixo "eco" faz alusão tanto ao entorno natural, a ecologia, como ao entorno social, a ecologia humana, ramo científico que tem como objeto de estudo da relação do ser humano com o seu ambiente natural.

De constituição física desvantajosa, o ser humano (Homo sapiens), por meio da cultura, adotou, e levou às últimas consequências, a estratégia de adaptar o meio ambiente ao seu corpo. Logo, assim, sobreviver, até agora e em todos os ambientes terrestres do planeta.

Pode-se dizer que o conceito "ecomuseu" foi gestado porque o seu esboço já existia nos pensamentos de que podem ser considerados uma base para o que se definiu de "museu ecológico", no sentido de museu do homem e da natureza, relativo a um território sobre o qual vive uma população.

No início da década de 60, a aplicação de uma nova política de ordenamento do território vai tornar o turismo numa importante fonte de receita, particularmente para determinadas zonas rurais, em especial as que se encontram em áreas protegidas, quando já no final da década, em 1967, começam a ser criados parques naturais regionais. Os financiamentos destinados aos parques permitem a criação de estruturas museográficas e as novas ideias, ligadas à "Nova Museologia".

De acordo com palavras de George H. Rivière, o conceito de Ecomuseu é evolutivo e como tal não pode ser definido de forma estática, acompanhando a evolução da sociedade e sendo uma instituição dinâmica. Ele teria construído três versões diferentes da definição evolutiva do ecomuseu.

A primeira, na década de 70, em que caracterizava o ecomuseu como um museu de um novo genero, tendo por base três noções:

  1. interdisciplinaridade baseada na ecologia;

  2. união com a comunidade; e

  3. a participação desta comunidade na sua construção e no seu funcionamento.

A segunda versão, referindo a sua estrutura como um museu que surge impetuosamente, formado por um organismo primário coordenador e organismos secundários, tendo como um dos seus objetivos: a interpretação do meio ambiente natural e cultural, no tempo e no espaço.

A terceira versão, em 1980, entende o Ecomuseu como o museu instrumento dos indivíduos e da natureza, museu do tempo, museu do espaço, sendo por isso o local de excelência para a real expressão da humanidade e da natureza.

Neste cenário, pode recorrer-se à definição que, em se descreve o Ecomuseu como:

"Museu do espaço e museu do tempo, ele se ocupa de apresentar, por sua vez, as variações de diversos lugares num mesmo tempo, de acordo com uma perspectiva sincrônica (simultânea), e as variações de um mesmo lugar em diversos tempos, de acordo com uma perspectiva diacrônica."

Sincronia e diacronia são conceitos distintos, mas complementares, usados na linguística para indicar diferentes perspectivas: num momento específico (sincronia) e através do tempo (diacronia).

As diferenças entre o "museu" e o "ecomuseu" podem ser baseadas nas definições da "Nova Museologia" onde, por exemplo, o Ecomuseu se identifica uma nova preocupação com o público e com a forma como o espaço se dirige ao público. Uma preocupação que não se foca na quantidade de público, mas sim na qualidade na interação que possa haver entre o indivíduo e o objeto.

Em concreto, o "novo museu" é diferente do "museu" tradicional em três vértices:

  • uma vertente é o realce dado ao território, seja meio ambiente ou local, em vez de se realçar o prédio institucional;

  • outro ponto está na ênfase colocada no patrimônio, em vez de ser dada à coleção e por fim;

  • a importância dada comunidade em oposição ao enfoque dado aos visitantes nos museus tradicionais.

kalunga museu x ecomuseu

Com o exposto, chega-se à conclusão de que a mais adequada proposta de criação de um “museu Kalunga” é a de propor um Ecomuseu Kalunga.



Ecomuseu Kalunga

O Ecomuseu Kalunga poderá ser um instrumento de empoderamento de uma população, onde concebem, fabricam e exploram juntos os recursos a ela pertencentes ou fornecidos, que, com apoio de especialistas, seguindo suas aspirações, utilizando seus saberes e fazeres, assim como suas faculdades de escolha, possa vir a se firmar a soberania de seu território, com base na honestidade, dignidade, valentia e outras características que são consideradas “socialmente virtuosas”.

Infraestrutura

O Ecomuseu Kalunga deverá possuir, em uma área a ser definida coletivamente, onde o visitante pode utilizar tanto os espaços internos como as salas de exposições temporárias e de longa duração, o auditório e o espaço de consulta ao acervo bibliográfico (mediante agendamento), como pode também desfrutar de um arvoredo, com teatro de arena e espaço para lanche e descanso.


Ecomuseu Comunitário
 Kalunga
(ou como criar um ecomuseu e levar benefícios para a sociedade)

Podemos, ainda, tendo em vista os Kalunga, sugerir o papel de um “museu comunitário” e como é possível trazer o modelo para sua realidade sugerindo (desculpe pela redundância), a criação de um “Ecomuseu Comunitário Kalunga”, reforçando dessa forma a questão étnica.

As pessoas visitam museus por inúmeros motivos, e é nesse contexto que entra, também, o “museu comunitário”.

Um Museu Comunitário como instituição museológica pode trazer um recorte único da história de uma comunidade, sua cultura e seus costumes.

Em linhas gerais, é possível afirmar que um museu comunitário é criado pela própria comunidade, onde os próprios cidadãos criam um local acessível para que os visitantes possam obter uma visão mais aprofundada da história e dos costumes locais.

Dessa forma, o museu comunitário atua como uma ferramenta para a comunidade afirmar a posse física e simbólica de sua herança, por meio de suas próprias formas de organização. Através de um museu comunitário, os membros da comunidade constroem um autoconhecimento coletivo, promovendo reflexão, crítica e criatividade. Essa iniciativa ajuda a fortalecer a identidade, porque legitima a história e seus próprios valores, projetando o modo de vida da comunidade dentro e fora dela. Com isso, consolida a memória que alimenta as aspirações deste povo.

Um museu comunitário também atua como mola propulsora de projetos voltados para melhorar a qualidade de vida, oferecendo treinamento para enfrentar diversas necessidades, fortalecendo a cultura tradicional, desenvolvendo novas formas de expressão, promovendo a valorização da arte popular e gerando turismo controlado pela comunidade (= Turismo de Base Comunitária).

Por isso, instituições assim se transformam em uma ponte para o intercâmbio cultural com outras comunidades, o que possibilita descobrir interesses comuns, forjar alianças e integrar redes que fortalecem os envolvidos por meio de projetos conjuntos.

Necessidades de um museu, em termos de espaço físico

Alguns espaços físicos estão dentre os aspectos necessários e que caracterizam um museu.  

Um programa para a instalação de um museu deve prever, no mínimo, as seguintes necessidades:

  • Recepção

  • Loja de Artesanato

  • Sala de exposição permanente (ou de longa duração)

  • Sala de exposição temporária (ou de curta duração)

  • Sala de administração (direção e secretaria)

  • Biblioteca e Arquivo

  • Espaço para ações educativas e culturais

  • Reserva técnica

  • Sala para procedimentos técnicos com o acervo

  • Espaços de apoio, guarda de materiais e segurança

  • Almoxarifado e Depósito

  • Copa e Cozinha

  • Banheiros e Vestiários.


Casa Kalunga Dona LeoMétodo construtivo: Bioconstrução

Vantagens

  • redução de geração de resíduos

  • redução do consumo energético

  • redução dos riscos de incêndio

  • troca de conhecimentos na comunidade

  • preservação do meio ambiente


Materiais Construtivos

A proposta construtiva é a de fazer usos de técnicas familiares aos Kalunga e bioconstrução, utilizando materiais construtivos naturais "sustentáveis", adequados à proposta:

  • uso de terra, arenito, seixos, areia e pedras; 

  • paredes em adobe e/ou pau-a-pique, taipa de pilão, caiadas ou não;

  • estruturas em bambú, madeiras industriais (pinho, eucalipto);

  • divisórias, fechamentos e revestimentos em palha ou outras fibras naturais:

  • cobertura de sapé, piaçava, buriti ou outras fibras, protegidas contra cupins, mofo e com verniz anti-chama;  

 

Turismo de Base Comunitária / Oportunidade

Tendo em vista que o turismo e o artesanato já são atividades geradoras de postos de trabalho e renda para a Comunidade Kalunga, devemos aproveitar a oportunidade de reforçar essas atividades sobretudo que os visitantes irão precisar de alojamento, alimentação e melhor conhecer a terra Kalunga.

kalunga manual brush hotel fachada falsa fundo verdeA atividade turística deverá observar o "Bem-estar Básico", oferecendo segurança e qualidade.

Premissas:

  • Bem-estar Básico - segurança, higiene e conforto;

  • Acessibilidade - logística e informação; 

  • Qualidade da Experiência do Visitante;

  • Consciências Ambiental e Cultural;

  • Preço Justo - o preço deve ser justo pois o turista vai avaliar o preço com base na qualidade. Ninguém vai pagar mais por um produto turístico que não tem qualidade mesmo que seja oferecido com a "etiqueta" de “base comunitária” ou “sustentável”.

 

Hospedagens

Para fomentar a visitação no território Kalunga, seguem abaixo formas de hospedagem que podem ser implementadas ou, se existentes, mesmo que de forma incipente, melhoradas:

 

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Fotos: André DibIon Davi / Travessia Ecoturismo

 

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Roberto M.F. Mourão / ALBATROZ Planejamento
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